Sobremesas Peruanas: dos Alfajores à Mazamorra

36 minuto lido Explore as tradições mais doces do Peru — dos alfajores amanteigados à mazamorra morada aveludada — com origens culturais, ingredientes-chave e dicas de serviço que tragam as padarias e barracas de Lima para a sua cozinha. outubro 07, 2025 12:08 Sobremesas Peruanas: dos Alfajores à Mazamorra

O primeiro gole de mazamorra morada sempre me faz voltar a Lima em outubro — a cidade envolta em cachecóis violeta de incenso, ruas perfumadas com cravo e canela, e o suave silêncio que cai quando o Señor de los Milagros passa. Naquele momento, uma xícara de pudim de milho roxo em papel — fumegante, brilhante, salpicada de ameixas secas e marmelo — é mais do que uma sobremesa. É um ponto fixo numa constelação de memórias: a cozinha da minha avó com seus potes de alumínio, o farfalhar do papel encerado em torno de um alfajor frágil comprado numa padaria de esquina, o puxar de um anel de picarón morno entre meus dedos, derramando xarope como seda âmbar.

Peruanos doces são um coro de texturas e temperaturas, de rituais pré-colombianos e improvisação colonial, de artesanato de imigrantes e devoção caseira. Eles também são um desafio: como explicar o suspiro em um Suspiro à Limeña sem cair em clichê? Como explicar a alquimia do milho roxo — o jeito de manchar sua colher de pau e seu coração na mesma tonalidade? Hoje, vamos percorrer dos alfajores à mazamorra, saboreando os doces do país com a curiosidade de quem cozinha e o apetite de alguém que sabe que o açúcar pode ser uma linguagem.

Uma Tapeçaria Doce tecida ao longo dos séculos

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A cultura de sobremesas do Peru não é um único fio; é uma trança. Muito antes da chegada do açúcar de cana, cozinheiros andinos já extraíam doces da natureza: mel de abelhas nativas, xaropes de vagens de algarroba, frutas secas ao sol das altas terras. Milho — tantas cores e texturas — engrossava mingaus e bebidas, incluindo os ancestrais de nossas mazamorras modernas. Com os espanhóis chegou o açúcar e as cozinhas de convento que aperfeiçoaram o manjar blanco (uma geleia de leite de paciência e fogo), além de amêndoas, gergelim, trigo e cítricos. Africanos introduziram técnicas de fritura e de fabricação de xaropes que ainda moldam nossos picarones e turrones. Mais tarde, italianos e franceses refinavam a confeitaria, e imigrantes chineses e japoneses acrescentaram seu toque preciso — leveza de mão, reverência pela fruta — que se sente hoje na forma como chefs temperam a doçura e honram a textura.

Você pode traçar essa história pelas estações. Outubro é roxo — procissões do Señor de los Milagros, turrón de Doña Pepa cintilando com confeitos, mazamorra fumegando em copinhos de papel. O verão se inclina para as frutas: chirimoya gelada sob uma neve de suco de laranja, lúcuma transformada em sorvete da cor do nascer do sol, maracujá sussurrando acidez em mousses. E sempre há manjar blanco, a moeda doce do país, deslizando entre biscoitos, derramado sobre crepes, escondido em bolos como uma carta de amor debaixo de um travesseiro.

Alfajores: Manteiga, Amido de Milho e uma Pitada de Memória

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É impossível comer um alfajor com educação. No instante em que seus dentes encostam naquele miolo frágil de amido de milho, ele cede em meio a uma nuvem de açúcar de confeiteiro que salpica a sua camisa e a conversa. Então vem o silêncio: aquele beijo de manjar blanco, cozido devagar até as bordas do leite dourarem e o açúcar virar toffee e feno.

As padarias de Lima exibem personalidades através dos alfajores. Em San Isidro, uma padaria bem polida imprime espirais neat de manjar, intercalando-os com biscoitos delicados de maizena e peneira o suficiente para realçar as bordas. Em Barranco, uma loja familiar embala porções generosas entre biscoitos mais firmes e envolve as laterais em coco ou nozes-pecã moídas — um toque emprestado de receitas antigas. Em mercados como Surquillo Nº 1, você encontra alfajores rústicos vendidos por peso em latas, cada um um pouco diferente, como primos em uma reunião de família.

Existem variações regionais e estilísticas que valem a busca:

  • Alfajores de Maizena: macios, baixos, extremamente tenros — graças ao amido de milho — que se derretem ao toque. Seu manjar costuma ser suave, âmbar, com um toque de grãos de baunilha.
  • Estilo Arequipe: uma alusão às influências vizinhas, apresentando um manjar mais profundo e caramelizado e biscoitos um pouco mais crocantes.
  • Alfajores enrolados em mel: as bordas pinceladas com xarope leve e beijadas com coco, uma sensação doce de rua.

Fazer em casa é um estudo de contenção. Farinha demais endurece o biscoito. Forno muito quente faz as bordas ficarem coloridas antes que o centro se fixe. A massa deve parecer manteiga fria caindo na areia — maleável, quase coesa. Deixe-a descansar para lembrar a forma. Abra entre folhas de papel manteiga até a espessura exata: 3–4 mm é clássico; mais fino para as versões mais delicadas. Asse até o fundo ficar levemente corado. Ao rechear, o manjar deve sustentar picos, não escoar; uma gelada rápida na geladeira o endurece. Monte o sanduíche, aperte levemente, depois passe por açúcar de confeiteiro e espere, se puder, algumas horas para que o biscoito e o recheio se tornem uma só voz.

Onde experimentar: El Bodegón em Miraflores faz uma versão nostálgica e fiel. San Antonio (a amada rede de cafés da cidade) oferece alfajores consistentemente bons, perfeitos com um café passado. E viajantes a Chiclayo devem provar os mini alfajores King Kong da San Roque — prelúdio para uma lenda maior de Lambayeque que você conhecerá mais adiante.

Picarones: Os Anéis Dourados do Crepúsculo

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Perto do Puente de los Suspiros, em Barranco, o crepúsculo cheira a xarope de chancaca — açúcar mascavo temperado com casca de laranja, canela, cravo e um toque de anis estrelado. Vendedores ficam atrás de caldeirões de óleo cintilante, com as mãos untadas de massa doce da cor das flores de abóbora. Com um toque treinado, formam anéis — buracos perfurados com o dedo — e os deslizam para o óleo, onde incham e douram. O ritmo atrai uma multidão: chiar, virar, gotejar. Uma concha de xarope completa o ritual — fios âmbar escorrem pelas saliências, formando poças no prato.

Picarones são mais velhos do que parecem. Seu DNA carrega técnicas de fritura africanas, inspirações de buñuelo espanhol e ingredientes andinos: camote (batata-doce) e zapallo macre (abóbora) na massa. O resultado é elástico por dentro, crocante nas bordas, com aquela doçura vegetal suave que faz você desejar o segundo antes de engolir o primeiro.

Como fazê-los em casa (em resumo):

  • Cozinhe no vapor e amasse partes iguais de camote e abóbora até ficar aveludado. Reserve.
  • Ative 7 g de fermento em 120 ml de água morna com 1 colher de chá de açúcar. Misture com o purê, 300–350 g de farinha, pitada de sal, 1 colher de chá de anis moído. A massa deve ficar pegajosa e elástica.
  • Deixe crescer até dobrar de volume. Frite os anéis em óleo a 180°C até dourarem. Escorra.
  • Xarope: cozinhe 300 g chancaca com 200 ml de água, paus de canela, cravos, casca de laranja até ficar um molho brilhante. Coe. Regue os anéis.

Suspiro à Limeña: Um Sussurro que Permanece

  • Base: Cozinhe 1 lata de leite evaporado e 1 lata de leite condensado com 4 gemas em fogo baixo, mexendo até ficar grosso o suficiente para cobrir as costas de uma colher e deixar um rastro.
  • Merengue: Leve o açúcar com uma pitada de vinho doce até 118°C. Despeje sobre 3 claras em neve enquanto bate até picos brilhantes.
  • Monte a base morna, o merengue frio. Polvilhe com canela.

Mazamorra Morada

  • Ferva 2 espigas de milho roxo (partidas) com o miolo de abacaxi, cascas de maçã, 2 paus de canela, 6 cravos em 2 litros de água por 1,5–2 horas. Coe.
  • Adicione açúcar/chancaca a gosto; volte a ferver com abacaxi em cubos, um punhado de ameixas, marmelo opcional.
  • Bata 80–100 g de amido de batata-doce com o líquido frio do milho roxo. Despeje na panela fervente, mexendo até ficar brilhante e espesso. Finalize com suco de limão para realçar o brilho. Polvilhe com canela ao servir.

King Kong de Manjar Blanco: o Monumental Doce de Lambayeque

  • Viaje ao norte até Lambayeque e a sobremesa parece arquitetura. King Kong é um alfajor em camadas levado ao excesso triunfante: biscoitos grossos — mais parecidos com fatias de shortbread — são intercalados com manjar blanco, geleia de abacaxi e, às vezes, geleia de figo e uma pasta de amendoim. Ao cortar, a seção transversal lembra um levantamento geológico do açúcar. Cada camada tem sua voz: a manteiga e a farofa do biscoito; o manjar, com a mastigação láctea; o brilho ácido do abacaxi; o solo terroso das amêndoas.
  • San Roque é a marca que os visitantes reconhecem; a fábrica deles em Lambayeque é uma peregrinação para viajantes com paladar doce que querem ver os tijolos montados. Mas há padarias familiares — Tumy, Buen Día — onde o King Kong parece menos uniforme, mais artesanal, e às vezes transcendente. Com café, é um café da manhã que você defenderá se alguém julgar. Cortado em fatias após o jantar, torna-se uma oferta de paz.

Por que King Kong? A toponímia local remete aos anos 1930, quando o filme chegou ao Peru e tudo que é grandioso ganhou esse apelido. Mas a técnica deriva de tradições mais antigas de alfajor, ampliadas pela ousadia de Lambayeque e pelo amor da região por conservas de abacaxi.

Turrón de Doña Pepa: Devoção e Dedos de Mel de Sésamo

  • Turrón de Doña Pepa tem o sabor da fé que se pode segurar. Em outubro, Lima traz procissões roxas e bandejas de turrón empilhadas nas vitrines, com superfícies listradas por xarope pegajoso de chancaca e confetes com grageas — confeitos coloridos que estouram como pequenos fogos de artifício.
  • A história pertence a Josefa Micaela Vilca, uma cozinheira de Cañete conhecida como Doña Pepa. Atingida por uma doença que deixou os braços fracos, ela buscou o Señor de los Milagros no século XVIII e encontrou alívio. Em gratidão, criou esta oferenda: barras de massa com cheiro de anis, assadas, reunidas com um xarope de chancaca condimentado — uma sobremesa cuja construção parece tão cerimonial quanto sua inspiração.
  • A massa é incomum. Você bate manteiga com gemas e um sopro de licor de anis ou sementes esmagadas, trabalha a farinha com delicadeza para que permaneça macia, então modela em barras grossas ou tiras em treliça. Assadas, ficam douradas e perfumadas. O xarope — feito como primo do de picarones, porém mais denso e perfumado — funciona como cola e glaze. Enquanto solidifica, as barras amolecem levemente sem perder a estrutura. As confeitos não são apenas decoração; são um sorriso cívico.
  • Ao longo das rotas das procissões de outubro — especialmente perto da Igreja de Las Nazarenas — barracas temporárias vendem turrón em fatias. Padarias por toda Lima empurram bandejas, suas fachadas perfumadas com anis e casca de laranja. Um bom turrón segura-se bem, não é teimoso; o fio do xarope quando cortado; a mordida cede com uma rachadura macia e perfumada.

Chirimoya Alegre, Lúcuma Everything, and the Secret Life of Peruvian Fruit

  • A gôndola de frutas do Peru é um livro de receitas para sobremesas. Chirimoya — fruta de creme — se abre para revelar lóbulos cremosos que cheiram ao sonho de baunilha de uma pera. Chirimoya Alegre é a sobremesa mais simples que conheço: pedaços de chirimoya salpicados com suco de laranja fresco. A acidez realça o creme, o perfume floresce, e se uma gota de pisco ou Porto encontrar caminho, ninguém reclama. Sirva bem frio em um copo alto, e você entenderá por que o nome significa o sorridente chirimoya.
  • Lúcuma não é sutil. Sua polpa é ocre, seu perfume é uma mistura de maple e batata-doce, e sua textura é um pouco seca — até ser batida com leite e virar sorvete. O sorvete de lúcuma é um rito de passagem peruano, tão onipresente quanto a baunilha, mas mais opinativo. Além do helado, você encontrará mousses de lúcuma cobertas com lascas de chocolate, brownies com cobertura de lúcuma em cafés, e variações de Suspiro à Limeña onde a base de manjar é perfumada com pasta de lúcuma. O alto teor de amido da fruta gosta do calor do leite.
  • Depois vem o maracujá (fruta-da-paixão), cuja faísca ácida corta sobremesas cremosas como uma faca brilhante. Um fio de coulis de maracujá sobre arroz com leite muda o prato por completo, com as sementes estourando como pontuação. Guanábana (graviola) transforma-se numa mousse etérea, palta (abacate) aparece nos batidos, e algarrobina, o xarope de algaroba do norte, sustenta coquetéis e pudins com uma nota de melaço.
  • Se você cozinha no exterior, procure polpas congeladas ou pós desidratados. Pó de lúcuma funciona lindamente em sorvetes e bolos esponja. Chirimoya é mais frágil, mas polpa enlatada pode funcionar para shakes e semifreddos. Purê de maracujá é um salvador de despensa: uma colher de chá transforma creme de leite batido em verão.

From Picanterías to Haute Cuisine: How Peruvian Pastry Evolved

  • A sobremesa no Peru nem sempre chegava em verrines impecáveis. Nas picanterías de Arequipa, as tradicionais cantinas da cidade, as sobremesas ancoram o almoço. Queijo helado, a estrela da região, não é queijo, mas um sussurro de neve raspada em tiras de uma lata sobre gelo, com leite, canela e às vezes coco. Comido sob os arcos de Yanahuara ou nos pátios de Cayma, tem sabor de infância desenhada com um pau de canela.
  • À medida que a culinária criolla encontrou defensores modernos, a confeitaria ganhou confiança. Os anos 1990 trouxeram chefs como Gastón Acurio, que tratavam sobremesas clássicas com reverência e um toque: vestir Suspiro à Limeña em taças elegantes, dando aos alfajores o polimento de padaria em escala. Templos contemporâneos — Astrid y Gastón, Central, Maido — tratam a sobremesa como narrativa. Você pode terminar um menu de degustação com cacau da Amazônia em várias texturas, ou com uma composição de lúcuma afetada por cinzas cítricas, ou com uma oferta meditativa de granita de chicha morada sobre pudins que parecem os Andes ao anoitecer.

O que se destaca é o equilíbrio. O paladar peruano aprecia a doçura, sim, mas também especiarias, sal e perfume. Canela e cravo não são tímidos; raspas de laranja são amigas fiéis; leite evaporado tem um legado de tradição. Os confeiteiros de hoje aproveitam esses instintos, filtrando-os através de técnicas modernas — cremes estáveis, contrastes de temperatura, empratamentos que reverenciam o terroir sem perder o pulso da cozinha.

Como Montar uma Despensa de Sobremesas Peruanas

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Se você quer ter sobremesas peruanas ao alcance, monte um pequeno altar de ingredientes:

  • Chancaca (panela): açúcar de cana não refinado, vendido em blocos; caramelo, defumado, com toque mineral.
  • Maíz morado (milho roxo): espigas secas ou grãos para mazamorra e chicha morada.
  • Especiarias: canela de Ceylon em palos, cravos inteiros, anis, anis-estrelado. Também vagens de baunilha ou extrato, e algumas cascas de laranja e limão frescas para perfume.
  • Amidos: amido de batata-doce (ideal para mazamorra), amido de milho para biscoitos maicena.
  • Laticínios: leite evaporado e leite condensado são coringas da despensa para manjar blanco e arroz con leite.
  • Castanhas e coco: amendoim para as camadas de King Kong, coco ralado para as bordas dos alfajores, nozes-pecã para guarnição.
  • Frutas: ameixas, damascos secos, pasta de marmelo, abacaxi em calda ou fresco.
  • Licores: Oporto ou outro vinho fortificado doce para a merengue do suspiro; pisco para perfumar xaropes; licor de anis para a massa de turrón.
  • Presentes especiais: pó de lúcuma; xarope de algarrobina.

Ferramentas que ajudam:

  • Panela de fundo pesado ou perol de cobre para manjar blanco.
  • Colher de pau e espátula resistente ao calor para mexer constantemente.
  • Termômetro de doces para xaropes e merengues.
  • Peneira fina para líquidos infusionados com especiarias.
  • Saquinhos de confeiteiro para cobrir os suspiros e recheios de alfajor.

Técnicas que Fazem Ou Desfazem

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  • Degraus de xarope: para xaropes de picarones e turrón, cozinhe até ficar espesso o suficiente para cobrir uma colher e formar um fio preguiçoso ao levantar — cerca de 104–106°C se estiver usando um termômetro. Para merengue italiano, mire 118°C.
  • O fator fragrância: nos xaropes, adicione a casca de laranja por fim para que os óleos permaneçam brilhantes; retire-a antes que fique amargo.
  • Paciência com o manjar: açúcares do leite douram lentamente. Mantenha o fogo baixo, raspe constantemente e confie no olfato. Se cheirar a noz torrada em vez de queimado, você está vencendo. Se agarrar, transfira imediatamente para uma panela limpa.
  • Pó de amido: sempre dissolva o amido em líquido frio antes de adicionar a uma mistura quente, mexa durante a incorporação e cozinhe por alguns minutos após engrossar para eliminar o sabor cru.
  • Controle de temperatura de fritura: para picarones, se o óleo estiver frio demais, os anéis absorvem óleo e ficam gordurosos; se muito quente, douram antes de inflarem. Um anel teste deve subir à superfície em 2–3 segundos e dourar por mais de 90 segundos de cada lado.
  • Estabilidade do merengue: bata claras em neve até picos moles antes de adicionar o xarope quente. Deixe esfriar um pouco antes de enfeitar com o bico de confeiteiro.

Um Percurso de Sobremesas em Lima: meu Passeio, uma Noite

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Comece no Mercado Surquillo Nº 1 enquanto a luz ainda se inclina para o dourado entre as barracas. Uma mulher com avental branco serve mazamorra morada em uma tigela de plástico, o vapor contorna o rosto antes mesmo de o canela perfumar. A primeira colherada está mais quente do que o sensato; você sopra, ainda queime a ponta da língua, e sorri, mesmo assim. As ameixas dão a mordida macia, o abacaxi contrapõe com doce ácido. Você sente o açúcar espalhar calor nos pulsos.

Desça até Miraflores e pare em um café para tomar um café e um alfajor. Açúcar de confeiteiro salpica sua camiseta preta. Você não se importa. O miolo de amido de milho se dissolve como um beijo torto e o manjar lembra uma panela de cobre e uma mulher cantando um bolero.

O crepúsculo leva você ao sul, para Barranco, atravessando o Puente de los Suspiros onde casais riscam iniciais na tinta e artistas de rua afinam guitarras. Uma banca de picarones se acende. O vendedor retira os anéis do óleo, rega com xarope de chancaca que se enrola em fios âmbar. Você come em pé, com o xarope no pulso, a noite ficando violeta acima da buganvília.

Uma curta corrida de táxi leva você a uma taberna criolla. Suspiro à Limeña chega em um copo teimoso com uma exibição de merengue. Você perfura e saboreia: doce frio, doce morno, doce de canela. Prova o Porto como uma nota tardia de uma canção que você achava ter acabado.

Termine a caminhada perto da Avenida Tacna, se for outubro. Uma fatia de turrón pressiona contra o garfo e então cede, sementes de anis ainda perfumadas, confeitos estalando como minúsculas luzes de estrela. Você guarda as sobras em um saco de papel que fica translúcido em alguns trechos. O ônibus de volta silencia a viagem, e Lima cheira a cravo e ao mar.

Receitas em miniatura: Mapas Rápidos

Alfajores de Maicena

  • Bata 200 g de manteiga com 150 g de açúcar; acrescente 3 gemas e 1 colher de chá de baunilha.
  • Peneire 300 g de amido de milho com 150 g de farinha de trigo, 1 colher de chá de fermento em pó, pitada de sal. Incorpore à mistura de manteiga até formar uma massa macia.
  • Leve à geladeira 30 minutos. Abra entre papel manteiga até 3–4 mm; corte círculos. Asse a 170°C por 8–10 minutos; as bases devem ficar mal coloridas.
  • Esfrie. Recheie com manjar blanco (veja abaixo). Passe as bordas no coco, se quiser. Polvilhe com açúcar de confeiteiro.

Manjar Blanco (No fogo, Estilo Rápido)

  • Combine 1 lata de leite evaporado e 1 lata de leite condensado em uma panela pesada. Cozinhe em fogo baixo, mexendo constantemente, 30–45 minutos até ficar espesso, âmbar, e desgrudar das bordas. Adicione 1 colher de chá de baunilha fora do fogo. Esfrie.

Picarones

  • Cozinhe no vapor e amasse 250 g de camote e 250 g de abóbora. Reserve.
  • Ative 7 g de fermento em 120 ml de água morna com 1 colher de chá de açúcar. Misture com o purê, 300–350 g de farinha, pitada de sal, 1 colher de chá de anis moído. A massa deve ficar pegajosa e elástica.
  • Deixe crescer até dobrar de volume. Frite os anéis em óleo a 180°C até dourarem. Escorra.
  • Xarope: cozinhe suavemente 300 g chancaca com 200 ml de água, paus de canela, cravos, casca de laranja até ficar um molho brilhante. Coe. Regue os anéis.

Suspiro à Limeña

  • Base: Cozinhe 1 lata de leite evaporado + 1 lata de leite condensado com 4 gemas em fogo baixo, mexendo até ficar grosso o suficiente para cobrir as costas de uma colher e deixar um rastro.
  • Merengue: Ferva 200 g de açúcar com 80 ml de Porto até 118°C. Despeje sobre 3 claras em neve enquanto bate até picos brilhantes.
  • Monte a base morna, merengue frio. Polvilhe com canela.

Mazamorra Morada

  • Ferva 2 espigas de milho roxo (partidas) com o miolo de abacaxi, cascas de maçã, 2 paus de canela, 6 cravos em 2 litros de água por 1,5–2 horas. Coe.
  • Adicione açúcar/chancaca a gosto; volte a ferver com abacaxi em cubos, um punhado de ameixas, marmelo opcional.
  • Bata 80–100 g de amido de batata-doce com o líquido frio de milho roxo. Despeje na panela fervente, mexendo até ficar brilhante e espesso. Finalize com suco de limão para realçar o brilho. Polvilhe com canela ao servir.

Além da Costa: Doces Regionais que Você Deveria Conhecer

  • Queijo Helado de Arequipa: leite, açúcar, canela e às vezes coco, batidos no estilo antigo em um recipiente cercado de gelo e sal, raspados em cachos de neve. A primeira mordida traz o calor da canela e a refrescância do leite, a contradição que o torna inesquecível.
  • Tejas e Chocotejas de Ica: conchas densas de manjar blanco envoltas em casca de limão cristalizado, nozes-pecã ou figos, recobertas com fondant de açúcar (tejas) ou chocolate (chocotejas). Marcas como Helena as aperfeiçoaram; lojas na beira da estrada ao longo da Panamericana Sur vendem uma variedade impressionante.
  • Natilla de Piura: imagine um primo do manjar que se inclina mais para o caramelo escuro da panela do que para a doçura pálida do leite. É espalhável, marrom-avermelhado, e fica ótimo com pão que aguente o sabor.
  • Api Morado de Puno e Cusco: bebida quente e espessa de milho roxo adoçado e condimentado, saboreada nas primeiras horas da manhã com pastelitos ou massa frita. É o irmão bebível da mazamorra e tem gosto de nascer do sol guardado num thermos.
  • Manjarblanco Tradicional de Cajamarca: muitas vezes mais firme, cortado em blocos — ótimo com queijo fresco (sim, doce com salgado), uma combinação que captura o apetite andino por equilíbrio.
  • Turrón Ayacuchano de Ayacucho: variação regional de doces em camadas, frequentemente mais denso, às vezes perfumado com mel local e anis.

Harmonizando Sobremesas Peruanas com Bebidas

  • Mazamorra Morada: harmonize com um pequeno copo de chicha morada (sem açúcar) para ecoar as especiarias sem adicionar mais açúcar, ou com um espumante seco para elevar o peso.
  • Alfajores: café preto de Villa Rica ou Cajamarca corta a doçura láctea do manjar. Um gole de pisco (mosto verde, se puder) ressalta notas de caramelo.
  • Picarones: emoliente — uma bebida de rua quente e herbácea — compartilha o espectro de especiarias. Ou tente um vinho branco de colheita tardia com acidez para equilibrar o xarope.
  • Suspiro à Limeña: requer moderação. Um cava demi-sec ou Moscato d’Asti funciona; ainda melhor, um espresso pequeno e amargo para um tango doce-amargo clássico.
  • King Kong: chá preto com limão ou um oolong com notas de nozes para navegar as camadas sem competir com a geleia de abacaxi.

Glossário de Ingredientes-Chave

  • Chancaca (Panela): açúcar de cana não refinado, vendido em blocos; caramelo, defumado, com toque mineral.
  • Maíz Morado: milho roxo; usado na chicha morada e na mazamorra; traz cor e aroma frutado.
  • Lúcuma: fruto andino; tem sabor de maple e batata-doce; melhor em sobremesas à base de laticínios.
  • Algarrobina: xarope de algaroba do norte do Peru; próximo ao melaço com nota torrada; usado em coquetéis e sobremesas.
  • Harina de Camote: amido de batata-doce; confere à mazamorra uma gelatina brilhante e limpa.
  • Oporto: vinho fortificado usado na merengue do suspiro; adiciona perfume de uva.
  • Anís: sementes de anis ou licor; perfuma a massa de turrón e alguns xaropes.

Enquanto escrevo isto, uma panela no meu fogão murmura. Espigas de milho roxo tropeçam com canela, minha cozinha vai lentamente entrando em outubro, mesmo que o calendário discorde. Em breve vou engrossar a infusão, incorporar frutas e esperar o momento em que uma colher de pau traça um caminho que se fecha como uma respiração lenta. Vou polvilhar duas tigelas com canela e chamar alguém à mesa. Comeremos com colheres que riscam o contorno da cerâmica, dizendo “mais um” até que tenhamos contado a verdade.

Peruanos doces são assim: um convite — palavras simples com uma música complexa por trás. Um aro de massa frita ao entardecer. Um biscoito que desmorona em uma memória que você não sabia que ainda tinha. Um suspiro, um brilho roxo. E, sempre, uma razão para ficar um pouco mais à mesa.

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