A primeira coisa que você percebe em um mercado de Lima às 9h é o aroma de limão — um perfume elétrico e resinoso que paira no ar como uma frente climática. Ele arrepia o nariz, afiado e limpo, e então, abaixo dele, surgem os sussurros salgados do Pacífico: frio, metálico, promissor. Homens de botas de borracha serram facas através de filés translúcidos; uma mulher agita uma cesta de rocotos da cor de semáforos; um garoto coloca um punhado de ají limo em um saco plástico que estala como uma onda fresca. Em algum lugar um liquidificador ganha vida, o tilintar cortante de gelo batendo no metal. Um vendedor sorri e levanta uma xícara pequena: leite de tigre, o elixir leitoso, carregado de cítricos, que impulsiona o prato definitivo do Peru. Dou um gole. Sal. Limão. Calor. Um estalo de coentro. Um sussurro de peixe. Parece que a sua língua está acordando.
Ceviche não é uma única receita no Peru; é uma linha costeira, uma encosta de montanha, uma curva de rio, e mil discussões familiares. É almoço de domingo e dia de pagamento e o primeiro encontro após uma semana longa. Hoje, vamos seguir essa corrente desde o brilho do meio‑dia de Lima até o silêncio verde da Amazônia, provando variações que explicam o país muito melhor do que qualquer mapa.
Essas são as estruturas. A carne da história é regional.
O ceviche antecede os navios espanhóis por séculos. Na costa pré‑colombiana, cozinheiros Moche e, mais tarde, Incas, temperavam peixe cru com sal, ají, e os ácidos que tinham: tumbo (curuba), parentes de maracujá, e talvez cerveja de milho fermentado como chicha de jora. O mar e o sol faziam o resto. Mas a chegada de cítricos — especificamente o pequeno limão peruano, altamente aromático, conhecido como limão-sutil — reescreveu o tempo. Imagine trocar uma flauta de pã por uma trombeta. As bordas do prato ficaram mais brilhantes, a janela de cozimento ficou mais curta, o risco de turvar ficou menor.
Esse limão não é a lima persa de supermercado que a maioria de nós conhece. O limão-sutil tem a cor da grama do fim do verão quando madura, casca fina, e tão perfumado que um fio de óleo pode pingar nos seus dedos ao espremê-lo. Seu suco é surpreendentemente ácido, mas encadeado, quase salgado, com um eco verde amargo. Quando cozinheiros peruanos dizem que o limão é o chef, é disso que falam: ele dita o corte, o tempo e a confiança de todos os outros ingredientes.
O nome? Talvez do árabe através do espanhol — escabeche para seviche com séculos de migração e pronúncia errada — ou talvez enraizado na palavra quechua siwichi. De qualquer modo, o ceviche é um palimpsesto de império e geografia, com o limão como a tinta que finalmente tornou tudo legível.
Entre na Sonia em Barranco durante a semana e veja o balé. Baldes de peixe em gelo. A corvina — robalo — brilha pálido, como uma lua fresca. A mão esquerda do chef fixa um filé; a mão direita move-se rápido, cortando em cubos organizados, cerca de dois centímetros de lado. Não muito pequenos — isto não é tartare. Não muito grandes — isto não é sashimi. Uma tigela aparece, bem gelada, e entram o peixe, um punhado de sal, um alho amassado até virar pasta pela lâmina de uma faca, um fino raspado de gengibre (as cozinhas Nikkei de Lima ensinaram muito a todos), e então um monte de ají limo, aqueles pimentéis com perfume de morango maduro e uma mordida como faísca de fósforo. A cebola roxa fatiada chega por último, resfriada quase como neve em água gelada, tão crocante que você ouve o corte.
Então, o regado. Limões cortados pela metade, espremidos uma vez com os dedos e nunca torcidos até secar — evite o amargor da parte branca. Suco frio, frio. O peixe fica firme, a tigela embaça, e o cheiro é como um raio atingindo um jardim. Um punhado de folhas e talos de coentro picados tão finos que quase se tornam névoa.
No prato: uma fatia de batata doce brilhando laranja, um toque de choclo, um monte de cebolas que exalam perfume de pimenta e floral, o peixe reluzindo em leite verde-claro. Ao lado, cancha em uma tigela pequena, torrada e salgada, com o estalo de cascalho limpo. Este é o Lima clássico — contido, rápido, inexorável. Você o come no almoço, sob a luz do sol. Você o come antes que o calor desapareça e o dia perca seu ângulo. Você nunca o come no jantar se se importa com tradição; o mar respira melhor ao meio‑dia.
Dica para cozinheiros caseiros: se não tiver limão-sutil, bata o suco de limão comum com um toque de cítrico aromático como calamansi ou algumas gotas de grapefruit para imitar esse brilho resinante. E mantenha tudo frio. Coloque alguns cubos de gelo na sua leite de tigre enquanto mexe; você os retirar no final, mas o frio mantém os sabores estalando.
Escolhas de peixe por estilo:
Se você quer entender o Peru através do ceviche, organize um almoço de cinco tigelas que começa em Lima e termina sob o dossel.
Dispus as tigelas do mais pálido ao mais profundo, do top ao baixo. Observe as faces de seus convidados se transformarem.
Para 4 porções pequenas (almoço, ao sol):
Passos:
Observação: se preferir um perfil mais picante, bata uma colher de rocoto com uma pitada de limão e algumas colheres do suco de ceviche para fazer um rojo à parte; os convidados podem mexer conforme desejarem.
Segurança alimentar: se não estiver absolutamente certo da frescura e manuseio do peixe, congele conforme as diretrizes da FDA. O ácido não mata todos os parasitas. Respeite o mar e seus convidados.
Ceviche é tanto sobre o quando quanto sobre o quê.
Há também a questão da memória. Os peruanos falam de ceviche da mesma forma que outras pessoas falam de canções antigas. A melhor que você já provou pode ter acontecido numa cadeira plástica sob uma tenda que batia ao vento num dia que cheirava a gasolina e maré alta, ou num balcão onde um cozinheiro com mãos como luvas de beisebol ergueu uma colher à sua boca e disse: Prove isto, é de hoje. Respeite que o ceviche não é uma peça de museu. É uma prática viva, uma forma de saborear o tempo presente.
O Peru costuma ser explicado por tríades — costa, planaltos, selva —, mas o ceviche costura essas geografias ao paladar. Em Lima, é a costa fria acordada por um pequeno sol verde. Em Arequipa, é um rio agitado pelo fogo. Em Cusco, um afluente de montanha vestido para um almoço na cidade. Em Iquitos, a floresta prova a si mesma.
Coma onde você estiver, mas cozinhe como se estivesse lá: sob o mesmo céu, na mesma luz do meio‑dia, com o mesmo respeito pelo que você está tocando. Esprema o limão uma vez. Corte o peixe limpo. Deixe a cebola em anéis. Salgue com intenção. E quando você erguer a colher e o primeiro aroma que respirar cheirar o encontro do mar com o dia, você saberá que está no lugar certo, onde quer que seus pés estejam.